Liberdade de escrever –
reflexões profundas em tempo de quarentena
Martha Pires Ferreira
Todo ser humano foi chamado, criado, para ser humano, viver
no aqui e agora; viver na Mãe Terra em que habitamos. Sermos humanos, nossa
função maior, fundamental.
O cristão não possui o monopólio dos valores essenciais da
Vida pelo critério decisivo de ser um cristão. Milhares de pessoas não seguem
Jesus de Nazaré, e mesmo desconhecem sua pessoa história, real. Jesus não é uma
abstração, e sim uma pessoa concreta, exemplo e modelo de vida a ser vivida da
forma a mais ampla possível. E poucos noutras vertentes interagem,
profundamente, como os princípios deixados por Buda Gautama, o Tao de Lao Tsé
ou as condutas de Confúcio, as leis de Moisés, Maomé, as emanações rituais Afro
e suas vertentes, a religiosidade nativa dos Índios latino americanos e povos
da floresta, ou ainda, os seguimentos religiosos do hinduísmo nas raízes remotas
do Vedanta. Verdadeiras bases normativas humanas, independentes de ensinamentos
espirituais, místicos.
Todos e todas as pessoas com certo nível de consciência e
inteligência, devem dar exemplo de vida e atuarem frente a esta sociedade
egoísta que nos cerca; dominadora, excludente e manipuladora a seu bel prazer.
Devemos trabalhar no sentido de
despertar valores para elevar esta mesma sociedade, para comportamentos mais
depurados; o ter mais consideração para com o seus pares, seus semelhantes, mais
diálogo e comunicação, amabilidade, compromisso com os fazeres, o compartilhar e
dividir um pouco o que possui de supérfluo, o saber arrepender-se sem falso
orgulho e saber perdoar, exercitar o despojamento mesmo intelectual pela via da
simplicidade. O real respeito pela vida como um Todo - todas as espécies e
riquezas da natureza, seja mineral, vegetal, animal. E mesmo saber renunciar
privilégios quando necessário. Sermos mais solidários, mais libertários em
nossa vida individual e mais integrados na diversidade social, coletiva.
Acabo de ler a obra de Hans Küng, físico e teólogo católico,
O Princípio de Todas as Coisas, ed. Vozes, 2007, RJ – um diálogo de possível
aproximação entre ciência e religião. Daí estas minhas reflexões, neste tempo
de quarentena (vírus, Covid-19 que aprisionou cada um em sua casa). Fiquei um tanto
tomada por Küng, lendo este livro desafiante e intenso por suas ideias, seu pensamento,
lucidez e conclusões diante do mundo contemporâneo em que vivemos. Quase no
final Hans Küng afirma, pág.. 267: “Na sociedade mundial, o destino da Terra
importa a todos, qualquer que seja a religião, a filosofia ou a visão do mundo
que eles adotem. As normas do ethos mundial podem ser a orientação
básica para esta responsabilidade pelo mundo, o que de nenhum modo exclui o
orientar-se de maneira particular pela própria religião ou filosofia. Pelo
contrário, cada uma pode contribuir à sua maneira para o único ethos mundial”.
A meu ver o Princípio de Todas as Coisas nos é oculto, nada
sabemos em essência, assim como o fim, nada sabemos concretamente, puramente, com
nossa razão lógica que tudo quer saber e ver medido na balança da realidade
palpável, entretanto o que Jesus de Nazaré nos legou com sua vida, sentido absoluto
da Vida e Ressurreição, nos deixa seguros, mesmo em vagas apreensões por maior
que seja a nossa Fé. E é neste viés, insondável mistério que é a Vida, que
apreendemos o Todo Desconhecido pela sensibilidade intuitiva por extensão
absoluta.
Algo acontece, imensa paz nos envolve, a certeza do Tudo no
Nada Primordial habitando em cada um de nós. Se aqui estamos, neste planeta
Terra, é aqui, precisamente, que devemos agir, vivermos o melhor possível como
seres humanos em comunhão solidária e fraterna por uma sociedade mais criativa,
justa, alegre e feliz.
Em quarentena, maio
2020.
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~