A simplicidade é a base para a caminhada do
autoconhecimento em sua totalidade.
Como peregrinos, atravessamos desertos,
sombras, solidão e medo. A caminhada interna exige de nós desapegos.
Esvaziamentos do si mesmo egoísta. Necessário retirarmos disfarces, defesas,
máscaras. O autoconhecimento se inicia ao olharmos, corajosamente, para nossos
recantos mais obscuros e cheios de limitações. Mergulhando em nós mesmos,
aprendemos a amar nossa dimensão, nossa natureza humana repleta de contrastes,
de impermanências.
O autoconhecimento requer observação
profunda do que se passa em nosso interior. É necessário nos distanciarmos um
pouco das solicitações externas, das imposições de uma sociedade de consumo
repleta de tentadoras surpresas, a cada dia. Importante observarmos o quanto,
erroneamente, confundimos progresso científico, tecnológico e econômico com
desenvolvimento civilizatório. Vivemos no apogeu da sofisticação em sucessivos
novos inventos e, no entanto, nossa qualidade moral e espiritual é,
alarmantemente, de declínio moral e decadência espiritual. O autoconhecimento
não está restrito à nossa corporeidade física e estética, saúde e beleza, nossa
vida emocional e intelectual. Indo mais longe, nas profundezas do nosso ser,
percebemos a importância da vida espiritual. A vida espiritual é inerente à
vida humana. E é a esta que aqui nos referimos.
Cabe a cada um de nós, com simplicidade e
humildade, procurar saídas sensíveis de solidariedade, fraternidade e afeto
para com o outro. É o outro que revela nossa dimensão. O outro, nosso igual, e
nosso diferente.
Na relação próxima e amorosa para com o
outro, nos vemos, nos conhecemos. Percebemos nossa capacidade doadora, nossas
defesas. Recusa ou comunhão. “Pertencemos radicalmente uns aos outros, grande
intuição do Cristianismo”, nos diz Thomas Merton. Através do olhar do outro,
ampliamos nossa capacidade de nos olharmos. Ninguém conhece a si próprio se
isolando, embora somente no silêncio interior possamos nos enxergarmos tal qual
somos.
Conhecermo-nos a fundo não nos distancia
das obrigações cotidianas, por vezes exaustivas. Bem pelo contrário, o trabalho
nos oferece ampla visão de que tudo tem um sentido maior, que transcende nossa
compreensão e inteligência.
Em desprezando aspectos da vida, sentimos
desprezos; em amando, sentimos amor. Na indiferença, a indiferença. Na grandeza
da alegria, a alegria.
O ser humano contemporâneo, cercado de
maquinarias sofisticadíssimas, perdeu o sentido do significado simbólico.
Perdeu a capacidade de apreender nas imagens visíveis a plenitude do invisível,
na beleza da matéria, reflexos do divino. Somos cegos para a realidade
absoluta, unificadora, que tudo contém.
Autoconhecimento não é egolatria, é
esvaziamento de si, esquecimento de si, para uma percepção de si mesmo
altamente sutil – “É necessário que Ele cresça e eu diminua” - João 3, 30.
O conhecer-se acontece como um segredo nos
recantos da alma, tanto para o intelectual como para o lavrador. Na plena
atenção, nos conhecemos e conhecemos a fonte de onde tudo emerge e para a qual
tudo converge. O silêncio e a quietude nos ajudam a penetrar mais intimamente
em nosso eu profundo. É nas profundezas da alma, com pureza de coração, que
encontramos Deus. Aquele que se destinou a esta peregrinação radical de
despojamento da alma, conhece a Deus pela comunhão, pela união mística. São
João da Cruz e Tersa d’Ávila descrevem esta jornada – Obras Espirituais e As sete
moradas ou Castelo Interior – com beleza inigualável.
O autoconhecimento nos coloca diante de
algo maior do que nós mesmos. Contemplamos nossa cosmicidade. O absoluto se
reflete em nós. Não há divisão entre criador e criatura. Somos invadidos, nós
pequeninos, pelo amor do Criador. Conhecemo-nos através de Seu Amor. E amamos
as Suas criaturas com ternura – fogo, terra, ar e água, planetas, animais e
seres humanos – sem exclusões. Compaixão para com o mal. Tudo é fonte de
revelação.
Não vivemos para abstrações, mas sim, para
realidades palpáveis. O conhecimento de nós mesmos, nos coloca diante do grande
mistério da vida, da inefável presença de Deus, Bondade infinita.
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