Martha Pires Ferreira
A
alquimia, al-kimyâ (árabe, raiz
grega) era a antiga e primitiva arte que tinha como objetivo a análise dos
fenômenos da natureza com o propósito particular de transmutação dos metais, a arte de fazer ouro, a descoberta da
Pedra Filosofal e o preparo do remédio único capaz de curar todas as doenças.
Os adeptos escondiam suas experiências em segredo aos olhos dos profanos, por
precaução. O que nos interessa aqui é apreender o significado simbólico do
processo alquímico. A Grande Obra Alquímica em sua maior parte não trata,
unicamente, de experiências alquímicas como tais, mas, também, como qualquer
coisa semelhante a processos psíquicos, expressos numa linguagem pseudoquímica.
O que se supõe é que o quê os alquimistas praticavam
não era apenas a química ordinária, uma obcecada ideia de transmutar cobre em
ouro. O alquimista, tal como o ferreiro ou bem antes dele o oleiro, era uma
pessoa envolvida com a natureza ígnea, era chamado o “senhor do fogo”. Era através do fogo que ele fazia
operar a transformação da matéria, a passagem de um estado do metal vil para
outro mais nobre - o cobre em prata ou ouro.
Na Babilônia, cada metal era formado segundo a
natureza do planeta que lhe correspondia. Os metais possuíam a constituição
correlata aos planetas; ouro produzido pelo Sol, prata - Lua, bronze e cobre –
Vênus, ferro – Marte, azougue e mercúrio – Mercúrio, estanho – Júpiter e chumbo
– Saturno. Fluxo de correspondência, semelhança. Não havia realização do Opus
Magnum sem a manipulação dos metais. O ouro que eles procuravam assegura alguns
autores, não era como supunha os mais ignorantes, o ouro ordinário, o ouro
comum, mas sim o Ouro Filosófico, o Ouro dos Sábios, a Pedra Etérea; o
inimaginável Rebis Hermafrodita; o ser completo - a integração de energias
opostas; masculinas e femininas. O que eles buscavam era a integração com o
Cosmo, a Unicidade.
A
Alquimia foi mitológica e sacerdotal na Mesopotâmia e no Egito. Na antiga
Caldeia havia grande preocupação com as questões da cura e das enfermidades. Na
China e na Índia ela foi mais pragmática. Na Grécia e na Escola de Alexandria,
filosófica. Entre os judeus é testemunho o uso da Cabala, mais especialmente na
Idade Média.
Por motivos políticos e econômicos, erros e
extravagâncias, a alquimia foi perseguida pelos romanos. Com a decadência na
Idade Média é o cristianismo quem lhe fecha as portas. Registro significativo
são as igrejas góticas, na Europa, repletas de configurações alquímicas.
A alquimia gozou de liberdade e proteção oficiais
entre os árabes. Não há que se negar que o exercício alquímico ao lado das
observações astrológicas, representa um longo período de gestação, na história
do pensamento e da inteligência humana as quais deram nascimento à Química e
contribuições à Astrologia que conhecemos, hoje.
O primeiro passo pragmático, não mitológico, surgiu
no velho Egito; Assim como é acima é a baixo - Hermes Trimegistos – o
Três-Vezes-Grande – o criador da Alquimia. Assim como de todas as artes e
ciências dos egípcios: como o exterior é
o interior, como o micro é o macro.
A Matéria Prima dos alquimistas estava escondida no
próprio ser humano. Nenhum alquimista revelou a verdadeira natureza da chamada Matéria Prima. Alguns alquimistas
identificavam-na como o chumbo ou o mercúrio, com a água, o sal, o enxofre e
mesmo o fogo. Poderia ainda ser a terra, os excrementos, o esterco, o sangue, o
dragão ou mesmo o próprio Deus, o criador de todas as coisas visíveis e
invisíveis. O objetivo do trabalho alquímico era a libertação da anima mundi, o espírito escondido na
matéria, e que o homem não conhecia. Seu objetivo era libertar a alma
prisioneira da escuridão da matéria; unir a matéria ao absoluto. E para tanto
punha em prática a individuação dos metais.
A Grande Obra era, também, realizada por muitos
alquimistas com a utilização das plantas em seus processos de transformação, o
que enriqueceu as origens da química farmacológica. Os alquimistas procuravam
“a água divina”, a cura de enfermidades – a busca do elixir da longa vida, a
depuração da alma. Os elementos essenciais do Opus eram o Sal, o Enxofre e o
Mercúrio. A Obra é a união do elemento masculino, yang - enxofre, com o
elemento feminino, yin – mercúrio. Ars
Magna - A Arte Real. O alquimista auxilia a natureza-mãe precipitando o
ritmo do tempo. Na realidade o verdadeiro laboratório dos alquimistas era o
próprio homem.
O fato dos alquimistas terem permanecido misteriosos
pode vir do foto de que o verdadeiro segredo não age secretamente, ele fala uma
linguagem secreta ele se expressa por uma variedade de imagens, as quais, todas
indicam sua verdadeira natureza - uma coisa ou fenômeno que é “secreto”,
conhecido, unicamente, através de vagas alusões, cujo essencial permanece
desconhecido.
Os alquimistas espirituais eram peregrinos à busca da
terra dos Bem Aventurados, a Árvore da Imortalidade. Os sábios desejavam
alcançar o amor sublime com o aperfeiçoamento externo e interno, buscando a
elevação do indivíduo para a verdade, a beleza, a bondade. Eles próprios eram o
metal vil, grosseiro. A meta era transformar-se num ser novo, que se
identificasse com o metal puro, o ouro, esse metal resplandecente, inalterável.
Era preciso que o ser humano reencontrasse o seu estado glorioso, estável e
imortal.
Para o psiquiatra C. G. Jung, iniciador da psicologia
analítica, a verdadeira natureza da matéria alquímica era, praticamente,
desconhecida do alquimista, ele a conhecia apenas por alusões. Procurando
explorá-la, ele projetava o inconsciente na obscuridade a fim de iluminá-la (C.
G. Jung - Psicologia e Alquimia).
O alquimista vivia o seu próprio inconsciente. Para
explicar o mistério da matéria, ele projetava outro mistério, o seu próprio mundo
psíquico desconhecido naquilo que ele deveria explicar; o obscuro pelo mais obscuro, o
desconhecido pelo mais desconhecido. Não se faz uma projeção, ela se
produz, ela está lá, simplesmente.
Alguns alquimistas medievais, seguindo a tradição
desde a Mesopotâmia, faziam conexões entre os metais e a natureza dos astros
relacionados com os doze signos do Zodíaco nas triplicidades dos elementos: Fogo,
Terra, Ar e Água. Como nós sabemos a ciência começou pelas estrelas, na
observação dos movimentos dos astros, com os quais o ser humano fez as conexões
celestes e terrestres. Projetava nos astros a potência da criação; as estrelas em
seus movimentos diários eram divindades. As singulares qualidades atribuídas ao
Zodíaco constituíam toda uma riquíssima teoria da natureza humana, correspondência
por sincronicidade. Assim surgiu a Astrologia da experiência viva, primordial, semelhante
à Alquimia. Tais projeções se repetem sempre quando o homem tenta explorar um
vazio obscuro que ele preenche, involuntariamente, com figuras vivas. Jung
esclarece: A Astrologia não é uma
projeção, ela corresponde a uma influência, relação entre os astros não se
revelam mais que a pura sincronicidade.
Não é porque o alquimista creia em uma
correspondência por razões teóricas, que ele pratica a sua arte; ele tem uma
teoria de correspondências porque ele fez a experiência da presença do espírito
na matéria. Jung muito se preocupou se os alquimistas relataram suas
experiências no exercício de sua arte de maneira completa, talvez porque certos
textos provam que apareceram durante as experiências práticas, certos fenômenos
de caráter alucinatório ou visões que não seriam outra coisa que projeções de
conteúdo inconsciente.
Mais importante que as escrituras, que os livros, são
as experiências; a visão do Vaso Hermético. Para os alquimistas, a visão do
Vaso Hermético é mais importante que as escrituras de textos alquímicos.
O Novo Lúmen nos diz; fazer aparecer as coisas escondidas na sombra e retirar a sombra, eis o
que é permitido por Deus ao filósofo inteligente, por intermédio da
Natureza... Todas as coisas se produzem
e os olhos do homem comum não as veem, mas os olhos do espírito, do intelecto e
da imaginação as percebem pela visão verdadeira, pela mais verdadeira visão. Depois
de Paracelso, a fonte de iluminação é a luz natural. Esta luz é a luz da natureza
que ilumina todos os filósofos. Acima de tudo ela é o tema da Pedra dos Sábios,
Universal e Grande, que o mundo inteiro tem diante dos olhos e mesmo assim não
o conhece.
Com respeito à atitude mental ou espiritual da obra
alquímica, um autor anônimo nos mostra outro aspecto da relação da vida psíquica
com o Opus Alquímico: observe, olhe com
os olhos do espírito, a semente minúscula do grão de trigo, considerando todas
as suas circunstâncias para que você possa plantar a Árvore dos Sábios. Isso
parece aludir em psicologia junguiana à imaginação ativa, que verdadeiramente
põe em marcha o processo. Não se duvida de que se trata da condição psicológica
da obra, e de que tal condição é de importância fundamental.
Outra citação aparece no Rosário dos Filósofos: Quem conhece o sal e a sua solução, conhece
o oculto segredo dos antigos sábios. Dirige, pois, sua mente ao sal, já que
nele está a ciência e os mais ocultos segredos dos antigos filósofos. Basile Valentim diz que: o sal é o fogo, a água que não molha as mãos. O autor anônimo do Rosário dos Filósofos
noutra passagem observa que deve se fazer a obra com a imaginação verdadeira e
não com a fantástica. Com esta afirmação parece dizer que o segredo
essencial da arte alquímica está oculto no espírito humano, em termos modernos
diríamos, no inconsciente. Com efeito, os alquimistas pressentiam, de algum
modo, que a sua Obra estava relacionada com a alma humana e suas funções. O que
os alquimistas viviam era na realidade as projeções do eu próprio inconsciente.
Alguns autores observam que é de fundamental
importância que se leia várias vezes e muitas vezes, e que se procure onde os
alquimistas têm pontos em comum, onde estes pontos se encontram aí se oculta,
com efeito, a verdade. É necessário ultrapassar a abordagem da palavra,
conhecer em essência o que queriam, realmente, dizer os filósofos.
Para o alquimista medieval a obra de redenção não era
só a do Cristo. Ele próprio tinha como objetivo primordial redimir o mundo, liberar a alma mundi aprisionada na
matéria, transmutar as coisas impuras da matéria. Fundamental era
readquirir o sentido da totalidade, obter a Pedra era pertencer ao Todo, ao
Cosmo. Cristo não era apenas um exemplo de vida, era um meio de revelação do
curso das operações regenerativas da alma. Para o adepto cristão, medieval, o
Cristo era o Lápis, o fim primordial, a Ave Fênix, a suprema Grande Obra.
Cristo era a via do absoluto, a reintegração do ser humano na sua dignidade
primordial.
----- Janeiro, 2000, Santa Teresa,
Rio de Janeiro, Brasil.
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