segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Natal - união do Céu com a Terra - Unus Mundus

Adoração dos pastores, Murilo séc. XVII
Isaias 54,10 - “Os montes podem mudar de lugar
e as colinas podem abalar-se, mas o meu amor não mudará,
a minha aliança de paz não será abalada,
diz Iahweh, aquele que se compadece de ti".
(publicado em 31 dezembro de 2007, aqui no blog).
Mosaico bizantino

Natal na Ilha do Nanja       Cecília Meireles.
Na Ilha do Nanja, o Natal continua a ser maravilhoso.
Lá ninguém celebra o Natal como aniversário do Menino Jesus, mas sim como o verdadeiro dia do seu nascimento. 
Todos os anos o Menino Jesus nasce, naquela data, como nascem no horizonte, todos os dias e todas as noites, o sol e a lua e as estrelas e os planetas. Na Ilha do Nanja, as pessoas levam o ano inteiro esperando pela chegada do Natal. Sofrem doenças, necessidades, desgostos como se andassem sob uma chuva de flores, porque o Natal chega: e, com ele, a esperança, o consolo, a certeza do Bem, da Justiça, do Amor. Na Ilha do Nanja, as pessoas acreditam nessas palavras que antigamente se denominavam “substantivos próprios” e se escreviam com letras maiúsculas. Lá, elas continuam a ser denominadas e escritas assim. 
Na Ilha do Nanja, pelo Natal, todos vestem uma roupinha barata pois é gente pobre – apenas pelo decoro de participar de um festa que eles acham ser a maior da humanidade. Além da roupinha nova, melhoram um pouco a janta, porque nós, humanos, quase sempre associamos à alegria da alma certo bem-estar físico, geralmente representado por um pouco de doce e um pouco de vinho. Tudo, porém, moderadamente, pois essa gente da Ilha do Nanja é muito sóbria. 
Durante o Natal, na Ilha do Nanja, ninguém ofende o seu vizinho – antes, todos se saúdam com grande cortesia, e uns dizem e outros respondem no mesmo tom celestial: “Boas Festas! Boas Festas!”. 
E ninguém, pede contribuições especiais, nem abonos, nem presentes - mesmo porque se isso acontecesse, Jesus não nasceria. Como podia Jesus nascer num clima de tal sofreguidão?  Ninguém pede nada. Mas todos dão qualquer coisa, uns mais, outros menos, porque todos se sentem felizes, e a felicidade não é pedir nem receber: a felicidade é dar. Pode-se dar uma flor, um pintinho, um caramujo, um peixe – trata-se de uma ilha, com praias e pescadores! – uma cestinha de ovos, um queijo, um pote de mel... É como se a Ilha toda fosse um presepe. Há mesmo quem dê um carneirinho, um pombo, um verso! Foi lá que me ofereceram, certa vez, um raio de sol! 
Na Ilha de Nanja, passa-se o ano inteiro com o coração repleto das alegrias do Natal. Essas alegrias só esmorecem um pouco pela Semana Santa, quando de repente se fica em dúvida sobre a vitória das Trevas e o fim de Deus. Mas logo rompe a Aleluia, vê-se a luz gloriosa do Céu brilhar de novo, e todos voltam para o seu trabalho a cantar, ainda com lágrima nos olhos. 
Na Ilha do Nanja é assim. Arvores de Natal não existem por lá. As crianças brincam com pedrinhas, areia, formigas: não sabem que há pistolas, armas nucleares, bombas de 200 megatons. Se soubessem disso, choravam. Lá também ninguém lê histórias em quadrinhos. E tudo é muito mais maravilhoso, em sua ingenuidade. Os mortos vêm cantar com os vivos, nas grandes festas, porque Deus imortaliza, reúne, e faz deste mundo e de todos os outros uma coisa só. 
É assim que se pensa na Ilha do Nanja, onde agora se festeja o Natal.
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MEIRELES, Cecília. Quadrante I, Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1966, pág. 169.

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