cinco anos, olhava o Sol
_ nasci na serra dos Orgãos
sorria, brincava, chorava.
oito anos percebia,
me achava pensativa, sofrida.
dezoito anos, altiva
conhecia o desejo, o amor.
vinte anos rebelde,
iludida percebia a existência.
vinte e quatro anos
estava distante, vazia de mim.
conheço a beleza; dei o salto
mergulhada no imensurável.
dei seguimento à poesia em verso.
continuidade natural ousa... se revela,
tenho um filho, pertenço a Vida!
caminho para os 86 verões,
no humor a realidade é um instante
_ consciência do estar na eternidade.
Memória ativa o cérebro
Revendo pastas,
escritos guardados. A década de 1960/70 muito intensa para mim, pessoalmente, e,
história do Brasil. // Dentro de mim, tempo de alargamento de consciência _ cultura e vida afetiva,
tudo em intensidade.
Poesias rabiscadas
que guardei como dados biográficos de instantes vividos. Meus relatos são
percursos da inteligência e de afetos, conquistas e derrotas no interior da alma.
Não me atraia falar de perfumarias; vinhos, vestido, automóvel, restaurante,
corridas de cavalos. De política era vedado qualquer expressão verdadeira,
honesta em anos de chumbo grosso militar. Formada em Direito, nada de trabalhista,
só família __ frustração geral, desilusão. Ler Roger Garaudy risco de ser
pressa, Karl Marx nem pensar. Meu pai mandou queimar cerca de 200 livros.
Um buraco se fez,
escuridão sem horizonte. O desenho e a astrologia me salvaram _ a Arte e a Natureza.
Escrever só o que o coração permitia e não fosse objeto de perigo
político. Encontros, dores ou levezas afetivas envolvendo a vida _ silêncio.
Falar do corriqueiro serviu de meta, desta forma só mantinha o que não
representava perigo ideológico. Altiva prossegui. Paz e Bem!
Não consigo estar serena
ouvir o gorjeio dos pássaros...
tarde colorida adormecendo.
Não consigo serenar e
dormir meu sono de gente
que nasceu para vislumbrar
formas de beleza.
Não consigo descontrair
o espírito na leveza da vida;
a fome, o abandono e a doença
devoram violentamente
a carne dos homens irmãos.
Revoltada sim, eu choro
como criança, diante do mundo injusto.
Me rebelo contra
o egoísmo da riqueza exacerbada
contida nas mãos de poucos.
Não me conformo, eu choro
frente a inconsciência
dos carniceiros gananciosos.
Não consigo tranquila e plena
ouvir o gorjeio dos pássaros
na tarde colorida descendo lentamente! /1967
Não me procure
perdida na estrada
nem mesmo
queira que eu cante.
Voo espaço longínquo
cada vez mais infinito
esquecida... distante na vida.
Peregrina madrugada sou.
Caminho serena
entre hortaliça verdejante
afilado espinho seco.
Sozinha, não recuo, tranquila
saber ser perdedora.
Nem sequer me procure
não mais importa
o que fui, fiz, farei,
posse a vir ter ou ser.
Atravesso noite, manhãs
sendo ou não distraída,
simplesmente, atravesso. /1967
Não trancarei mais a porta
quando me pedires repouso,
não negarei mais um só dia
estender minhas mãos
para as carícias.
Quando o sino tocar na tarde
anunciando a tua chegada
correrei para ajeitar os cabelos
sacudirei a poeira das vestes e
perfumarei meu corpo
com essência dos céus.
Colocarei flores no vaso de barros
abrirei as janelas
para que o cantar dos pássaros
penetre melodiosamente.
Abrirei a porta feliz a espera de ti.
Se demorares um pouco
acenderei a lâmpada para
não tropeçares na escada escura.
Na hora da tua partida
beijarei tuas mãos com ternura
silenciosa, seguirei com olhar
marejado de felicidade
o teu trajeto de homem.
Não pedirei sequer
que me leve na lembrança. /agosto, 1967
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