sábado, 28 de setembro de 2024

Poesia Herbert Timm _ desconhecido, incognito

 
Pedra da Gávea, Herbert, 1960

Pão de Açúcar, Herbert e Regina, 1958

        Não sou saudosista _ o que em nada me impede rever por onde andei, vivi. Poesia de um amor intenso, belo e sofrido. Poeta solitário, incógnito. Arquivo tem seu significado histórico. Viver hoje não exclui o ontem. Saber viver o Agora é sabedoria, atenção adquirida. Herbert Timm 1937-2016.

           Martha Pires Ferreira, setembro de 2024.  

Poesias _ algumas sem título.
****

Porque fugir. Porque amar
porque esmolar o tudo
se um dia o tudo se funde ao nada
e tornamo-nos ao todo um corpo
e uma dúvida?
 
Se tu me amas
se te quero
se nos queremos, que importa,
se acima do amor
do querer
do fazer
subsiste a incógnita
do ser ou não ser... 
                                               Herbert 11/10/1962

**** 
É madrugada ainda, mas tenho que partir,
deixar teu leito e esquecer-te os lábios.
É madrugada ainda,
ainda misteriosamente noite estrelada
mas parto.
Não quero mais tuas mãos, tenho medo
de ficar ancorado e morto como um barco
                                                   que não navega.
Esquece-me, odeia-me, fazes o que quiseres
mas não,
não me esperes mais na esquina
nem sereies nos oceanos de minhas saudades.
 
Sou vagabundo, sou chochard
sou vaga-lume
sou pobre, triste, fraco e não brilho mais
se me acolhem nas mãos.
 
Deixa a música no nosso amor
abandona a harpa encantada da paixão
e deixa-te tocar por outros...
sem pensar, sem querer
basta deixar tocar.
                              Herbert Timm, 11/10/1962
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Pra Martha
 
Algum dia
prometo a você
fazer  um poema
longuíssimo
perfeito
sem estrelas, flores
madrugadas e ouro e amor.
 
Algum dia,
juro
prometo retribuir nas suas mãos
feito um beijo invisível
tudo aquilo impossível
e mais dois deuses ajoelhados.
 
Algum dia
conseguirei compor o nada
n’areia da praia o seu perfil;
o corpo, alma
o pecado e o seu sinal.
 
Algum dia
tomar-lhe-ei pelas mãos
e pagarei num absoluto êxtase
os beijos e perdões que me deste!
 
Algum dia, não sei quando
através dum verso meu
terá vislumbres e sonhos de glória;
                                   algum dia!
                                                      Herbert Timm, 1964
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Recado à Martha
 
Me pedes palavras,
Fábulas,
Poesias:
A música impossível
Enclausurada
Na pérola vertiginosa
Que baila entre as mãos de Deus e...
   ... o breu de todas as cavernas.
 
Queres uma estrela.
 
Fazes pedidos perdidos,
Guilhotinados
Entre ponteiros:
Desejas a meia-noite
Da noite de Natal...
 
Ingênua.
 
... Não entendes,
Menina, criança, menina,
Que o gorjeio dos homens
Partiu
Definitivamente para o maior
De todos os desertos?
 
(Aquele onde,
Ao Saara se voltam olhares desesperados
Buscando
Em cada grão d’areia
A possibilidade dum copo d’água?)
Não! Nada posso contar. Falar. Cantar.
 
Da minha alma oriental e malvada,
Toda feita de coisas remotas,
Bordadas do mal,
Brotam somente melodias
De encantar serpentes:
 
                              Ao toque, pelas feridas
                              Dos meus dedos dilacerados,
                              Uma flauta soterrada geme
                              Cantigas do ninguém...
        
Herbert Timm, agosto de 1964
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Intimidade

Ligamos a vitrola. Na janela, cortinas de seda branca se agitam como véus de noiva na praia. Abres uma revista. Em torno de teus olhos, duas auréolas quase violetas me transportam suavemente a um longo pensamento de beleza: caminhamos nós dois juntos, de mãos dadas, por um vasto corredor de mármore e candelabros de cristal. Não mais sentimos o corpo. Nossos pés parecem flutuar e tudo é leve: além do sentimento de beleza e amor puro, nada mais existe. Teu rosto emana luz. Uma imensa porta de bronze trabalhado se abre magicamente no fim do corredor e, em um cais atapetado de veludo purpúreo, embarcamos numa galera. As nossas cortinas, presas ao mastro, se enfunam ao sopro de sereias felizes, vestidas de águas, cravejadas de pérolas. O mar. Olha as ondas e me perguntas se quando nos conhecemos, era eu menino ainda ou mesmo antes já nos amávamos. Respondo com um ramalhete de espumas e nos beijamos sorrindo...

A noite e o dia estão presentes. No horizonte, avistamos jardins onde toda a humanidade passeia despreocupadamente, todos vestidos de mantos brancos e perfumados. Gaivotas e nuvens se movimentam no céu, em rituais de pureza.

Agora, se aproxima um senhor de barbas longas e muito alvas; abre uma caixa, duas pombas voam soltas, para o alto, no espaço e soprando numa flauta, acompanha com alegria a visão dos dois voos liberados...

A música termina. Observo o movimento de teu corpo. A cor e a delicadeza dos teus cabelos. Estas tuas mãos... A tua presença imunda a sala. Vais à janela, voltas à vitrola, passas por mim, calada, sem imaginar que regiões maravilhosas contempto eu daqui desta poltrona...

                                Herbert Timm, janeiro 1965

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