Palavras sentadas - 2011 - lápis grafite
Círculo do Lápis
A vida cotidiana, nos meios de
comunicação, não pode ser reduzida ao novo paradigma tecnológico, centrada,
particularmente, na rainha da atualidade; a internet.
A vida, ela própria, almeja, anseia, muito mais que aparelhos de comunicação
por mais sofisticados e avançados que eles sejam para transmitir mensagens,
ideias e saberes. Os papeis, livros, jornais, revistas, folhetins, e mais,
continuarão a ter seus espaços tradicionais intransferíveis. O papel fala,
canta, emite odores e imagem.
Sou adepta ao Lápis! Ao Círculo do Lápis!
O ser humano comum, dois a três
quartos da população mundial, não terá alcance material e muito menos
intelectual, tão cedo, para manejar aparelhos de larga potência. Ainda vivemos
no mundo paleolítico e feudal.
O neoliberalismo, senhor dos
mecanismos de controle de informações, leva grandes vantagens é claro, numa
expansão incalculável frente aos múltiplos meios de comunicação. Tudo é
nivelado de norte a sul conforme os interesses dos que dominam “as mídias”.
Espíritos avessos ao estabelecido
surgem por arestas inesperadas. Movimentos renovadores e rebeldes diante do
progresso “maravilhoso” surpreendem com novos gestos e olhares; um deles são os
adeptos ao Lápis. Por várias circunstâncias e meios, se afastam dos
computadores, dando distância. Fazem-se comunicantes, agentes, através de
outros recursos impensáveis. Um deles é o Lápis, para o qual sou adepta,
incondicional.
Intuitivos, introvertidos, amantes
dos segredos ou mistérios da existência anseiam outros caminhos, outras práxis para
sua via humana além da internet, percorrem
a beleza do caminho pessoal, longe de provedores e intrusos tecnológicos.
Os adeptos ao Círculo do Lápis fogem
de tudo que esmaga, controla, invade e torna lugar comum. A sua singular alternativa
é o grafite, o velho lápis sensual, delicado e criativo. Sua caixinha também
tem cores, todas as cores.
Quem ama os Lápis sabe dos seus
manejos secretos e insondáveis, quase magia. Conhece o sentido do intervalo
entre as palavras, entre um e outro rabisco ou número. O Lápis fala, se
comunica, transmite sentimento, afeto e raciocínio metafísico. O Lápis é quase
um ser humano, porque é vivo. Os Lápis engendram idéias, imagens e impulsionam
ao transcendente. Quem conhece o Lápis, sabe.
O Lápis nos convida ao universo da
simplicidade, do despojamento intelectual: “se queres ser tudo, não queiras ser
coisa alguma”, “se queres possuir tudo, não queiras possuir coisa alguma”, João
da Cruz, século XVI. Escrevia na ponta do lápis ou da caneta à pena com tinta? O
simples escrever o levava, alquimicamente, ao essencial.
Na contramão da cultura, quanto mais seres
humanos pretendem possuir, sofisticados aparelhos com tecnologia de ponta, as
mais aprimoradas, o amante do Círculo do Lápis o que mais deseja é ter o mínimo
para se dar ao precioso tempo para ser, sendo. Tempo e espaço.
O Círculo do Lápis não se faz nos
modelos neoliberais, repleto de promessas consumistas e progressistas. O Círculo
do Lápis se faz por outra via; a do despojamento, do vazio criativo, da
sabedoria do ócio, da singularidade de não querer ter, possuir além do
necessário, mas apenas viver sendo, hoje, aqui e agora, em verdade e beleza.
Beleza além da filosofia, da ciência e mesmo da arte. A experiência do
inefável, a riqueza íntima e pessoal que emerge das profundezas do ser. Os
adeptos do Círculo do Lápis transmitem de traço a traço, de sensibilidade a sensibilidade.
Divertem-se por amor e paixão ao ponto e a linha, ao rabisco, ao desenho, às
palavras, à escrita e ao silêncio não pronunciado. O Lápis desenha enigmas da
intimidade intuitiva, intelectual ou do coração.
Todo ser humano é potencialmente
escritor de sua própria vivência. Todo ser humano é potencialmente desenhista,
artista no coração do universo. Todo ser humano pode rabiscar; um rabisco pode
ser a porta para a beleza criadora que emerge das profundezas do inconsciente e
se faz revelação pessoal e única.
O Lápis é o mais simples e dos mais
nobres instrumentos para engendrar imagens, expressões que se revelam em graça
e beleza.
--- Martha Pires Ferreira,
Janeiro de 2005