domingo, 18 de setembro de 2011

Círculo do Lápis

desenho lápis grafite, 2007


desenho lápis aquerela, 2007


A vida cotidiana, nos meios de comunicação, não pode ser reduzida ao novo paradigma tecnológico centrada, particularmente, na rainha da atualidade; a internet. A vida, ela própria, almeja, anseia, muito mais que aparelhos de comunicação por mais sofisticados e avançados que eles sejam para transmitir mensagens, idéias e saberes. Os papeis, livros, jornais, revistas, folhetins, e mais, continuarão a ter seus espaços tradicionais intransferíveis. O papel fala, canta, emite odores e imagem.
Sou adepta ao Lápis! Ao Círculo do Lápis!
O ser humano comum, dois a três quartos da população mundial, não terá alcance material e muito menos intelectual, tão cedo, para manejar aparelhos de larga potência. Ainda vivemos no mundo paleolítico e feudal.
O neoliberalismo, senhor dos mecanismos de controle de informações, leva grandes vantagens é claro, numa expansão incalculável frente aos múltiplos meios de comunicação. Tudo é nivelado de norte a sul conforme os interesses dos que dominam “as mídias”.
Espíritos avessos ao estabelecido surgem por arestas inesperadas. Movimentos renovadores e rebeldes diante do progresso “maravilhoso” surpreendem com novos gestos e olhares; um deles são os adeptos ao Lápis. Por várias circunstâncias e meios, se afastam dos computadores, dando distância. Fazem-se comunicantes, agentes, através de outros recursos impensáveis. Um deles é o Lápis, para o qual sou adepta, incondicional.
Intuitivos, introvertidos, amantes dos segredos ou mistérios da existência anseiam outros caminhos, outras práxis para sua via humana além da internet, percorrem a beleza do caminho pessoal, longe de provedores e intrusos tecnológicos.
Os adeptos ao Círculo do Lápis fogem de tudo que esmaga, controla, invade e torna lugar comum. A sua singular alternativa é o grafite, o velho lápis sensual, delicado e criativo. Sua caixinha também tem cores, todas as cores.
Quem ama os Lápis sabe dos seus manejos secretos e insondáveis, quase magia. Conhece o sentido do intervalo entre as palavras, entre um e outro rabisco ou número. O Lápis fala, se comunica, transmite sentimento, afeto e raciocínio metafísico. O Lápis é quase um ser humano, porque é vivo. Os Lápis engendram idéias, imagens e impulsionam ao transcendente. Quem conhece o Lápis, sabe.
O Lápis nos convida ao universo da simplicidade, do despojamento intelectual: “se queres ser tudo, não queiras ser coisa alguma”, “se queres possuir tudo, não queiras possuir coisa alguma”, João da Cruz, século XVI, escrevia na ponta do lápis ou da caneta à tinta. O simples escrever o levava, alquimicamente, ao essencial.
Na contramão da cultura, quanto mais seres humanos pretendem possuir, sofisticados aparelhos com tecnologia de ponta, as mais aprimoradas, o amante do Círculo do Lápis o que mais deseja é ter o mínimo para se dar ao tempo para ser, sendo. Tempo e espaço.
O Círculo do Lápis não se faz nos modelos neoliberais, repleto de promessas consumistas e progressistas. O Círculo do Lápis se faz por outra via; a do despojamento, do vazio criativo, da sabedoria do ócio, da singularidade de não querer ter, possuir além do necessário, mas apenas viver sendo, hoje, aqui e agora, em verdade e beleza. Beleza além da filosofia, da ciência e mesmo da arte. A experiência do inefável, a riqueza íntima e pessoal que emerge das profundezas do ser. Os adeptos do Círculo do Lápis transmitem de traço a traço, de sensibilidade a sensibilidade. Divertem-se por amor e paixão ao ponto e a linha, ao rabisco, ao desenho, às palavras, à escrita e ao silêncio não pronunciado. O Lápis desenha enigmas da intimidade intuitiva, intelectual ou do coração.
Todo ser humano é potencialmente escritor de sua própria vivência. Todo ser humano é potencialmente desenhista, artista no coração do universo. Todo ser humano pode rabiscar; um rabisco pode ser a porta para a beleza criadora que emerge das profundezas do inconsciente e se faz revelação pessoal e única.
O Lápis é o mais simples e dos mais nobres instrumentos para engendrar imagens, expressões que se revelam em graça e beleza.


Martha Pires Ferreira, Janeiro de 2005

___________________________

Um comentário:

Deweller_Art disse...

Eu gosto de paradoxos, Martha, mas esse eh mesmo especial: blogar sobre a necessidade de nao se usar a Internet... meandros da alma humana....
Lindos desenhos.