Minha história tem asas
Outro dia eu tinha
cinco anos, olhava o Sol
_ nasci na serra dos Orgãos
sorria, brincava, chorava.
Outro dia tinha
oito anos percebia,
me achava pensativa, sofrida.
Outro dia tinha
dezoito anos, altiva
conhecia o desejo, o amor.
Outro dia tinha
vinte anos rebelde,
iludida percebia a existência.
Outro dia tinha
vinte e quatro anos
estava distante, vazia de mim.
Hoje, tenho vinte e oito
conheço a beleza; dei o salto
mergulhada no imensurável.
Estou em 18 de fevereiro de 1967.
O tempo atravessou linear
dei seguimento à poesia em verso.
Janeiro de 1978, mulher madura
continuidade natural ousa... se revela,
tenho um filho, pertenço a Vida!
Hoje, janeiro/2025, segue fevereiro,
caminho para os 86 verões,
no humor a realidade é um instante
_ consciência do estar na eternidade.
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Memória ativa
o cérebro
Revendo pastas,
escritos guardados. A década de 1960/70 muito intensa para mim, pessoalmente, e,
história do Brasil. // Dentro de mim, tempo de alargamento de consciência _ cultura e vida afetiva,
tudo em intensidade.
Poesias rabiscadas
que guardei como dados biográficos de instantes vividos. Meus relatos são
percursos da inteligência e de afetos, conquistas e derrotas no interior da alma.
Não me atraia falar de perfumarias; vinhos, vestido, automóvel, restaurante,
corridas de cavalos. De política era vedado qualquer expressão verdadeira,
honesta em anos de chumbo grosso militar. Formada em Direito, nada de trabalhista,
só família __ frustração geral, desilusão. Ler Roger Garaudy risco de ser
pressa, Karl Marx nem pensar. Meu pai mandou queimar cerca de 200 livros.
Um buraco se fez,
escuridão sem horizonte. O desenho e a astrologia me salvaram _ a Arte e a Natureza.
Escrever só o que o coração permitia e não fosse objeto de perigo
político. Encontros, dores ou levezas afetivas envolvendo a vida _ silêncio.
Falar do corriqueiro serviu de meta, desta forma só mantinha o que não
representava perigo ideológico. Altiva prossegui. Paz e Bem!
Não
Não
consigo estar serena
ouvir
o gorjeio dos pássaros...
tarde
colorida adormecendo.
Não
consigo serenar e
dormir
meu sono de gente
que
nasceu para vislumbrar
formas
de beleza.
Não
consigo descontrair
o
espírito na leveza da vida;
a
fome, o abandono e a doença
devoram
violentamente
a
carne dos homens irmãos.
Revoltada
sim, eu choro
como
criança, diante do mundo injusto.
Me
rebelo contra
o
egoísmo da riqueza exacerbada
contida
nas mãos de poucos.
Não
me conformo, eu choro
frente
a inconsciência
dos
carniceiros gananciosos.
Não
consigo tranquila e plena
ouvir
o gorjeio dos pássaros
na
tarde colorida descendo lentamente! /1967
****
Cada
dia seu fardo
Não
me procure
perdida
na estrada
nem
mesmo
queira
que eu cante.
Voo
espaço longínquo
cada
vez mais infinito
esquecida...
distante na vida.
Peregrina
madrugada sou.
Caminho
serena
entre
hortaliça verdejante
afilado
espinho seco.
Sozinha,
não recuo, tranquila
saber
ser perdedora.
Nem
sequer me procure
não
mais importa
o
que fui, fiz, farei,
posse
a vir ter ou ser.
Atravesso
noite, manhãs
sendo
ou não distraída,
simplesmente, atravesso. /1967
****
Nada a pedir
Não
trancarei mais a porta
quando
me pedires repouso,
não
negarei mais um só dia
estender
minhas mãos
para as carícias.
Quando
o sino tocar na tarde
anunciando
a tua chegada
correrei
para ajeitar os cabelos
sacudirei
a poeira das vestes e
perfumarei
meu corpo
com
essência dos céus.
Colocarei
flores no vaso de barros
abrirei
as janelas
para
que o cantar dos pássaros
penetre
melodiosamente.
Abrirei
a porta feliz a espera de ti.
Se
demorares um pouco
acenderei
a lâmpada para
não
tropeçares na escada escura.
Na
hora da tua partida
beijarei
tuas mãos com ternura
silenciosa,
seguirei com olhar
marejado
de felicidade
o
teu trajeto de homem.
Não
pedirei sequer
que
me leve na lembrança. /agosto, 1967
Martha Pires Ferreira
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