Escalada contra a
democracia
Artigo de Frei Betto*
foto UOL SP.
– publicado no jornal O Globo - 11 de
maio de 2019.
Não faço parte do
time das pitonisas. Prefiro guardar o pessimismo para dias melhores. Contudo,
prevejo tempos difíceis para o Brasil, a menos que a nossa indignação se transforme
em mobilização. Pelo andar da carruagem, nossa frágil democracia se encontra
ameaçada, e nossa liberdade de expressão, amordaçada.
Os sinais não são
promissores. Nada indica que a economia brasileira sairá em breve do atoleiro
em que se encontra. O número de desempregados passa de 13 milhões. As previsões
do PIB de 2019 encolhem a cada novo balanço. No início do atual governo,
acreditava-se que cresceria 2,2%. Agora, se prevê 1,7%. O Brasil retrocede.
Ainda que alguma
reforma da Previdência seja aprovada (sem afetar os privilégios do andar de
cima, é claro), nada indica que virão do exterior investimentos substanciais.
Nosso país está desacreditado. Quem se aventura a embarcar em um navio
avariado? E há outras opções mundo afora para os investidores. Preferem
multiplicar seu capital em economias robustas e confiáveis.
Como se sentir
seguro sob um governo que a cada dia se desdiz? Em menos de cinco meses,
desacreditou as próprias promessas de campanha. O corporativismo e o viés
ideológico falam mais alto que a competência. Ministro que se preze deve vestir
a farda de recruta e engolir a seco as ordens do comandante. Não se admite o
contraditório, o pluralismo, o debate democrático.
Dança-se ao ritmo
leninista: um passo à frente, dois atrás. A embaixada brasileira transferida
para Jerusalém permanece em Tel Aviv. A soberania do país se dobra à suspensão
unilateral de vistos para estadunidenses. A cultura é sufocada pela falta de
recursos. As ações da Petrobras e do Banco do Brasil despencam, porque o
governo "não intervencionista" veta o aumento do diesel e a
publicidade do banco.
A grileiros,
desmatadores e invasores de terras indígenas é concedida licença para matar.
Aos milicianos se faz vista grossa. Aos corruptos amigos da família, silêncio.
O que ao pai, movido a arroubos, não convém manifestar, ao filho é transferida
a tarefa, ainda que ofensas ao general eleito vice do capitão.
O desmonte é geral.
Conselhos federais são extintos; não há médicos em muitas localidades antes
atendidas por cubanos; disciplinas que ensinam a pensar, como Filosofia e
Sociologia, são riscadas dos currículos; milícias são toleradas; índios são
recebidos em Brasília, não por autoridades abertas ao diálogo, mas pela Força
Nacional, como se um bando de feras evadidas da selva ameaçasse avançar sobre o
Planalto.
O clima é de repúdio
à democracia. Até quando o STF e o Congresso Nacional serão tolerados? E a
liberdade de imprensa? Oitenta tiros do Exército assassinaram dois cidadãos
inocentes, e o fato é considerado irrelevante.
Pelos corredores do
governo disseminam o medo e a insegurança. O ministro da Economia fala em obter
R$ 1 trilhão com as reformas, e horas depois o presidente reduz para R$ 800
bilhões. O secretário da Receita Federal acenou com novos impostos e foi
desautorizado no dia seguinte de sua entrevista. A lei do silêncio impera. Quem
pretende se agarrar à sua boquinha no governo que trate de fechar a própria. O
atual governo sabe destruir, mas não sabe construir.
As pesquisas
comprovam que a aprovação ao Planalto despenca a cada mês? Ora, puro
"fake", clama o governo. Ele garante que a aprovação, como ótimo, é
de 98%! Exceto para 2% de gente envenenada pelo marxismo cultural. Gente que
não respeita a família, ainda que o acusador tenha tido três. Gente que é a
favor dos direitos dos homossexuais e contra a liberação da posse e do porte de
armas.
O rei está nu. Mas
não convém admitir isso em público. Cada cidadão que cubra seus olhos
indignados com as cores vivas dessa policromia ministerial em 22 tons de cinza.
* Escritor, ativista, religioso.
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