Pedra da Gávea, Herbert, 1960
Pão de Açúcar, Herbert e Regina, 1958 Não sou saudosista _ o que em nada me impede
rever por onde andei, vivi. Poesia de um amor intenso, belo e sofrido. Poeta solitário, incógnito. Arquivo tem
seu significado histórico. Viver hoje não exclui o ontem. Saber viver o Agora é
sabedoria, atenção adquirida. Herbert Timm 1937-2016.
Martha Pires Ferreira, setembro de 2024.
Poesias _ algumas sem título.
****
Porque fugir. Porque amar
porque esmolar o tudo
se um dia o tudo se funde
ao nada
e tornamo-nos ao todo um
corpo
e uma dúvida?
Se tu me amas
se te quero
se nos queremos, que
importa,
se acima do amor
do querer
do fazer
subsiste a incógnita
do ser ou não ser...
Herbert 11/10/1962
****
É madrugada ainda, mas
tenho que partir,
deixar teu leito e
esquecer-te os lábios.
É madrugada ainda,
ainda misteriosamente
noite estrelada
mas parto.
Não quero mais tuas mãos,
tenho medo
de ficar ancorado e morto
como um barco
que não navega.
Esquece-me, odeia-me,
fazes o que quiseres
mas não,
não me esperes mais na
esquina
nem sereies nos oceanos de
minhas saudades.
Sou vagabundo, sou
chochard
sou vaga-lume
sou pobre, triste, fraco e
não brilho mais
se me acolhem nas mãos.
Deixa a música no nosso
amor
abandona a harpa encantada
da paixão
e deixa-te tocar por
outros...
sem pensar, sem querer
basta deixar tocar.
Herbert Timm, 11/10/1962
****
Pra Martha
Algum dia
prometo a você
fazer um poema
longuíssimo
perfeito
sem estrelas, flores
madrugadas e ouro e amor.
Algum dia,
juro
prometo retribuir nas suas
mãos
feito um beijo invisível
tudo aquilo impossível
e mais dois deuses ajoelhados.
Algum dia
conseguirei compor o nada
n’areia da praia o seu perfil;
o corpo, alma
o pecado e o seu sinal.
Algum dia
tomar-lhe-ei pelas mãos
e pagarei num absoluto
êxtase
os beijos e perdões que me
deste!
Algum dia, não sei quando
através dum verso meu
terá vislumbres e sonhos
de glória;
algum dia!
Herbert Timm, 1964
****
Recado à Martha
Me pedes palavras,
Fábulas,
Poesias:
A música impossível
Enclausurada
Na pérola vertiginosa
Que baila entre as mãos de Deus e...
... o breu de todas as
cavernas.
Queres uma estrela.
Fazes pedidos perdidos,
Guilhotinados
Entre ponteiros:
Desejas a meia-noite
Da noite de Natal...
Ingênua.
... Não entendes,
Menina, criança, menina,
Que o gorjeio dos homens
Partiu
Definitivamente para o maior
De todos os desertos?
(Aquele onde,
Ao Saara se voltam olhares desesperados
Buscando
Em cada grão d’areia
A possibilidade dum copo d’água?)
Não! Nada posso contar. Falar. Cantar.
Da minha alma oriental e malvada,
Toda feita de coisas remotas,
Bordadas do mal,
Brotam somente melodias
De encantar serpentes:
Ao
toque, pelas feridas
Dos
meus dedos dilacerados,
Uma
flauta soterrada geme
Cantigas do ninguém...
Herbert
Timm, agosto de 1964
****
Intimidade
Ligamos a vitrola. Na janela, cortinas de seda branca
se agitam como véus de noiva na praia. Abres uma revista. Em torno de teus
olhos, duas auréolas quase violetas me transportam suavemente a um longo
pensamento de beleza: caminhamos nós dois juntos, de mãos dadas, por um vasto
corredor de mármore e candelabros de cristal. Não mais sentimos o corpo. Nossos
pés parecem flutuar e tudo é leve: além do sentimento de beleza e amor puro,
nada mais existe. Teu rosto emana luz. Uma imensa porta de bronze trabalhado se
abre magicamente no fim do corredor e, em um cais atapetado de veludo purpúreo,
embarcamos numa galera. As nossas cortinas, presas ao mastro, se enfunam ao
sopro de sereias felizes, vestidas de águas, cravejadas de pérolas. O mar. Olha
as ondas e me perguntas se quando nos conhecemos, era eu menino ainda ou mesmo
antes já nos amávamos. Respondo com um ramalhete de espumas e nos beijamos
sorrindo...
A noite e o dia estão presentes. No horizonte,
avistamos jardins onde toda a humanidade passeia despreocupadamente, todos
vestidos de mantos brancos e perfumados. Gaivotas e nuvens se movimentam no
céu, em rituais de pureza.
Agora, se aproxima um senhor de barbas longas e muito
alvas; abre uma caixa, duas pombas voam soltas, para o alto, no espaço e
soprando numa flauta, acompanha com alegria a visão dos dois voos liberados...
A música termina. Observo o movimento de teu corpo. A
cor e a delicadeza dos teus cabelos. Estas tuas mãos... A tua presença imunda a
sala. Vais à janela, voltas à vitrola, passas por mim, calada, sem imaginar que
regiões maravilhosas contempto eu daqui desta poltrona...
Herbert Timm, janeiro 1965
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~